Acordei de madrugada desejando ter um vestido branco.
E seria de gaze.
Era um desejo intenso e lúcido.
Acho que era a minha inocência que nunca parou.
Alguns, bem sei, já me disseram, me acham perigosa.
Mas também sou inocente.
A vontade de me vestir de branco foi o que sempre me salvou.
Sei, e talvez só eu e alguns saibam, que se tenho perigo tenho também uma pureza.
E ela só é perigosa para quem tem perigo dentro de si.
A pureza de que falo é límpida: até as coisas ruins a gente aceita.
E têm um gosto de vestido branco de gaze.
Talvez eu nunca venha a tê-lo, mas é como se tivesse, de tal modo se aprende a viver com o que tanto falta. Também quero um vestido preto porque me deixa mais clara e faz minha pureza sobressair.
É mesmo pureza?
O que é primitivo é pureza.
O que é espontâneo é pureza.
O que é ruim é pureza?
Não sei, sei que às vezes a raiz do que é ruim é uma pureza que não pôde ser.
Acordei de madrugada com tanta intensidade por um vestido branco de gaze, que abri meu guarda-roupa. Tinha um branco, de pano grosso e decote arredondado.
Grossura é pureza?
Uma coisa sei: amor, por mais violento, é.
E eis que de repente agora mesmo vi que não sou pura.
(Clarice Lispector)
Postado por
Kássia Rocha
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